quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Lembranças de um surfista.


O surf é um esporte que exige muita positividade e vibe boa, determinação, superação e etc... Mas a história de hoje no blog é um tanto quanto triste e foi inspirada em uma conversa que tive com um senhor que estava levando seu filho para comprar a primeira prancha em minha loja... A imagem é de Andy Irons, surfista que morreu ano passado e foi obrigado a abandonar o surf (a menos que existam lindas ondas do lado de lá). A história será contada em primeira pessoa, mas vale lembrar que nada disso aconteceu diretamente comigo e qualquer semelhança ao texto que ofenda alguém não é de minha intenção, portanto antes de ler certifique-se de que não se sentira ofendido. Obrigado e espero que gostem.

Me lembro muito bem dos tempos em que eu ainda era um menino de cidade praiana, carregava comigo aquela velha vagabundagem própria de minha idade, sonhos que na minha cabeça pareciam fazer muito sentido e aquela vontade absurda de viver aventuras que na maioria das vezes eram das mais perigosas.
Eu era só mais um menino em meio a muitos que iniciou no surf para saciar essa minha vontade de ultrapassar os limites, gostava de surfar pois ali me sentia livre das "correntes" do dia-a-dia como tarefas e deveres, estudos e até mesmo complicações familiares próprias de uma família onde o dinheiro é contado até mesmo para planejar pequenas viagens de fim de ano, via no surf uma válvula de escape e assim sempre que podia eu ia para o mar com a minha prancha e alguns fiéis amigos que haviam me ensinado e aprendido a surfar comigo.
Eu estava perto de completar 15 anos de idade quando meu surf parecia estar em seu melhor momento, surfava com meus amigos quase todos os dias, chegava até mesmo a comprometer meu futuro estudantil com consequentes faltas a escola e notas abaixo da média em provas, mas tudo parecia estar tranquilo já que passava os melhores momentos de minha vida surfando. Nesse mesmo tempo, minha vida mudou drasticamente quando minha mãe se separou de meu pai, eu e meus outros 3 irmãos fomos morar longe do litoral, na cidade natal de minha mãe no interior do estado do Mato Grosso, o que muitos poderiam falar que teria sido o fim de meus dias surfando somente me motivou a sonhar cada vez mais em um dia voltar a morar na praia e pegar todas as ondas que eu pudesse.
A despedida de meus amigos foi um tanto quanto triste, surfamos por um longo dia e no fim da tarde todos foram para minha casa comer um bolo feito por minha mãe, abracei todos ali e pedi que continuassem surfando que visitaria a cidade sempre que conseguisse para não deixar que a nossa união pelo surf acabasse. Ali selamos um acordo de parceria e todos choramos quando chegou a hora de ir embora...
Acostumado com a vida de praia, eu me entristecia a cada dia que passava em minha nova casa, tudo havia deixado uma enorme saudade, meu pai, o surf, meus amigos e até mesmo da escola. Esporadicamente visitava meu pai na cidade, surfava com meus velhos amigos mas não era a mesma coisa, eu matava a saudade de tudo e dias depois lá estava eu no ônibus chorando por querer ficar por ali.
O jeito foi me acostumar com minha nova vida, fiz novos amigos, arranjei uma namorada... Passei a não ir mais para a praia até porque nesse tempo que estava me acostumando a viver no Mato Grosso meu pai veio a falecer, mas aquela vontade de surfar parece que me batia sempre que me via preso a alguma dificuldade ou dever, a sensação de liberdade que eu conseguia surfando não era encontrada em nada! Assim o tempo foi passando, passando e passando, logo que vi já estava com meus 20 anos.
Era a hora de sair de casa, pela condição financeira de minha família e minha própria condição intelectual demorei um tempo a conseguir ingressar em uma faculdade, mas consegui e fui morar na capital do estado para fazer faculdade de gastronomia... Me formei e me especializei em frutos do mar, por uma sorte que eu considero talvez uma das maiores de minha vida, consegui um emprego em Vitória e me mudei para lá.
Uma das melhores coisas de me mudar para o litoral foi voltar a surfar, eu já não era mais o mesmo e não tinha a mesma habilidade de antes, mas algumas coisas eu ainda sabia e me divertia bastante surfando, usei do surf para me ajudar na saudade que sentia de minha família e logo consegui uns bons amigos que surfavam comigo nas praias próximas de Vitória.
Embora o trabalho em um restaurante local me sufocasse de tanto serviço, aos domingos quando tinha minha folga eu já sabia o que fazer, pegava minhas coisas e ia direto para a casa de alguns amigos que fiz por lá para que todos se dirigissem aos picos de surf e curtissem a tarde, em meio a essas amizades conheci a mulher com quem me casei e alguns anos depois tive 2 filhos.
Eu já não era mais o mesmo menino que surfava por desejar liberdade, já estava na época que surfava por diversão e relaxamento, por volta de meus 30 anos e já com 2 crianças pequenas, minha vida de surfista abaixou um pouco mas não acabou, sempre que tirava férias eu e meus agora velhos amigos surfávamos bastante e até fazíamos algumas viagens.
Assim minha vida foi passando melhor do que eu esperava, já estava um pouco melhor de dinheiro e vivia com minha esposa e dois filhos uma vida considerada por mim perfeita... Foi quando em uma viagem a trabalho que fiz para um curso que o carro onde eu estava sofreu um acidente e eu fiquei paraplégico.
Imaginem a vida de vocês, com duas crianças, uma esposa e um trabalho que rendia todo lucro da casa e de repente você é obrigado a parar com tudo devido a um acidente que te impede de andar, qual é a saída para todos esses problemas? Surfar. Mas espera um pouco, eu não posso surfar, já havia visto casos de quem superou tudo isso e voltou a surfar, mas não... não comigo.
Com o tempo as coisas foram se acertando, minha mulher arrumou um emprego e minha mãe veio para Vitória ajudar a cuidar de meus filhos, mas agora eu já considerado um coroa vivia a mesma sensação de meus 15 anos, me sentia preso a uma cadeira de rodas e uma vida caseria e chata, eu já não podia mais surfar, todos aqueles dias no mar, da juventude até aos mais próximos me chegavam a cabeça com tristeza.
Como não lembrar, do dia em que eu ainda menino consegui subir na prancha pela primeira vez aos gritos de meus amigos, de VAI, VAI SOBE! Ou quando tomei um caixote tão forte que fiquei zonzo e tive que abandonar o mar na primeira onda, e que tal em minha volta ao surf olhando pelo litoral do ES crianças que tiveram a salvação de uma vida no esporte... É, tudo aquilo aconteceu em minha vida e agora restava somente lembrar.
A minha paixão pelo surf continuou somente...aumentando, embora não pudesse sentir a sensação de surfar me restava estimular partes de mim a seguir o mesmo caminho, fiz com que meus filhos ingressassem no surf e os dei todo o apoio que precisavam para nunca desistir, e hoje vejo eles chegando em casa após um bom dia surfando e sinto como se fosse eu, me vejo feliz chegando todo molhado e com fome, em uma beleza rara de se ver que é a positividade que um bom dia de surf traz.
Eu não me lembro de qual foi minha última onda, mas com certeza não foi quando eu fiquei paraplégico que eu parei de surfar, o surf é mais que entrar na água com uma prancha, é sentir e enquanto dentro de mim o amor pelo esporte continuar eu me considerarei um eterno surfista.




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